FLAVIA FERRARI
( São Paulo – Brasil )
Flavia Ferrari, de Santana de Parnaíba/SP, é poeta e professora. Escreve contos infantis desde 2014. Começou a publicar seus poemas em 2020, no início da pandemia, mas a escrita poética esteve presente em sua vida desde a adolescência. Teve poemas publicados pelo Toma Aí Um Poema, Escrita Cafeína, Editora Trevo, Projeto Enluaradas e Revista Literária Pixé. É autora do livro Meio-Fio: Poemas de Passagem (Editora Toma Aí um Poema/2021).
[ Página publicada por iniciativa de SALOMÃO SOUSA ]
5 poemas do livro
MEIO-FIO:
POEMAS DE PASSAGEM
(Editora Toma Aí Um Poema, 2021)
Séculos
Querer não basta
É preciso rastejar pelo território sem trincheiras
Sob as balas que cruzam e tiram a pele
Sonhar de nada vale
É preciso subir ao palco e assassinar o rei
Desligar o som e encerrar o show
Viver não é suficiente
É preciso morrer cem vezes
E outras tantas
Para que o tempo seja generoso
E restaure o humano revolucionário
Que possa enfim descansar
Sem sentinelas
Sobre a terra que lhe foi devolvida
Lugar nenhum
Um barco à deriva
Por mais que esteja perdido
Tem como endereço
Um oceano
Um rio
Um nome
Um porto
Uma mente à deriva
Por mais que esteja lúcida
Perde-se em lugares sem endereço
Sem nome
Sem gente
Sem margem
Em silêncio
Nada
Nunca viajei a lugar nenhum
Nunca deixei esta casa
E vejo pela janela esta rua de asfalto
Que a cada década
Recebe um novo pavimento
Anseio pela máquina
Cheiro de química asfáltica
Que cobre a antiga rua
Gasta pela chuva pelo atrito
Pelo vento que movimenta os elementos
Pelos passos dos que saem
Pelos carros pelos ônibus pelas rodas
Pelo bicho por tudo o que aqui encontra rota
Menos por meus passos
Estanques
Que não pisam na rua em frente à casa
(talvez em sonho)
Sei que qualquer passo
Haverá de passar um dia pelo asfalto
Serei quando?
O amor
Retornou de mãos vazias
Castigado, perdeu todo o tempo que tinha
Buscando a palavra certa
Quando somente a presença bastaria
Amor ausente
Perdido entre o sentir e o sentido
Transformou-se em amargura
Quando ao que se lançou no início
Durou somente algumas horas
Amor efêmero
Tirou o chão
E flutuando sem gravidade
Enfraqueceu-se
Não pode agarrar-se a nada
Amor estratosférico
Já está morto
Dele surgiram outros significados
E novos desinteresses
Que de nada valem
Amor descrente
Está sendo celebrado
Aliança e bodas
De vidro e folha
Estilhaça e rasga
Amor burocrático
Lança-se à busca infrutífera
Procura um rosto
Materializa-se
Aparentemente se encaixa
Amor objeto
Persistente e resiliente
Acaba, só que lentamente
Alimentado pelas memórias
Não acha graça na realidade
Amor nostálgico
Enquanto vive
A ele são endereçadas belas palavras
Depois do fim
Duvida-se que tenha havido
O amor existe?
De tanto insistir
Descobriu-se pleno
Sem pudores, liberou-se
Revela-se reflexo
Amor próprio
Propósito
Para quem não tem asas
Voar é muito difícil
É preciso um destino e confiar que haja ar ao redor
Para quem não se sente livre
Sonhar é um desafio
Não avançamos para além dos primeiros momentos
Para quem sente muito medo
Imaginar pode ser muito assustador
Tememos que a imaginação atravanque nosso caminho
Que precisará ser desviado
Para os que se denominam corajosos
É preciso ter história pra contar
Um certo desconhecimento de si
E uma audiência crédula
Para os revolucionários
Uma faísca basta
O futuro que vislumbram
Poderá curar quase toda dor
*
VEJA e LEIA outros poetas de SÃO PAULO em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/sao_paulo.html
Página publicada em fevereiro de 2022
|